sábado, 16 de agosto de 2014

ARMAZÉM RECEBE NOVO PRÊMIO EM EDIMBURGO



Cena de "O dia em que Sam Morreu"

ARMAZÉM RECEBE PRÊMIO DO FESTIVAL DE TEATRO DE EDIMBURGO 2014

O DIA EM QUE SAM MORREU [The Day Sam Died] ganhou nesta sexta, 15/08 o FRINGE FIRST AWARD, um dos principais prêmios do Festival de Edimburgo oferecido há 41 anos pelo jornal The Scotsman. Em 2013, o Armazém tinha ganhado o mesmo prêmio por "A Marca da Água" [Water Stain].  

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Crítica no jornal The Scotsman (o maior da Escócia), sobre o DIA EM QUE SAM MORREU:

FRINGE FIRST AWARD WINNER - THE DAY SAM DIED

por Joyce McMillan 


 "Se o futuro da saúde - como serviço público ou negócio privado - é uma das questões-chave de todas as democracias modernas, então o mais recente e brilhante espetáculo da Armazém Companhia de Teatro é a peça que pega o drama hospitalar pela nuca e o transforma num teatro furioso, lindo e surreal que trata da luta global entre o extremo capitalismo neoliberal e visões mais democráticas e comunitárias da sociedade.
No centro da peça - co-escrita por Maurício Arruda Mendonça e pelo diretor Paulo de Moraes - está a figura do cirurgião-chefe, um brucutu altamente qualificado e viciado em drogas, que trata seus pacientes com desprezo e acha natural que o melhor serviço de saúde seja controlado pelos ricos.
Sua vida dá uma guinada complexa, porém, no dia em que ele encontra três pessoas diferentes chamadas Sam, numa série de situações repetidas. Uma delas é o enfermeiro auxiliar de cirurgia, que tem um acesso de fúria e saca uma arma no saguão do hospital, enquanto fala sobre como um hospital devia ser justo e compassivo. Outra é a juíza de direito chamada Samantha, que precisa de uma cirurgia pra salvar sua vida, mas questiona a moralidade de furar a fila de tratamento. E a outra pessoa é Samir, um ex-palhaço que agora sofre de demência, depois de uma vida inteira divertindo as crianças.
Durante 80 minutos intensos e belos, pontuados por um entrondoso rock ao vivo, a produção de Paulo de Moraes nos guia através do mundo onírico dessas três situações, numa torrente de luz inconstante e de fúria e quietude em alternância. E no centro do espetáculo há uma série de atuações excelentes de alguns dos melhores atores do Brasil, incluindo Patrícia Selonk como Samantha e Otto Jr. como o cirurgião-chefe."


sábado, 9 de agosto de 2014

O DIA EM QUE SAM - ARMAZÉM EM EDIMBURGO 2014

Cartaz da peça "O dia em que Sam Morreu" 

PRIMEIRA CRITICA  de "O DIA EM QUE SAM MORREU" em Edimburgo 2014.

 - Three Weeks - Sexta-feira, 8 de agosto de 2014

por George Robbs

"O Dia Em Que Sam Morreu" é sombria, solitária, como um pesadelo - mas também extremamente emocionante. Parte da Temporada do Teatro Brasileiro, é a história de seis indivíduos solipsistas, divididos por sua classe social e sua comunidade. O hospital onde eles se encontram é mantido sob controle por um homem armado enfurecido, e apesar de suas vidas jamais convergirem totalmente, elas se tocam. É um estudo magistral sobre o relativismo pós-moderno e a desunião que ele promove. Visualmente vívido, com um som surpreendentemente belo e filosoficamente bem trabalhado, "O Dia Em Que Sam Morreu" faz a pergunta: num mundo onde um código de ética é tão válido e justificável quanto qualquer outro, como saber a qual deles aderir?

Fonte: http://www.threeweeks.co.uk/article/ed2014-theatre-review-the-day-sam-died-armazem-theatre-company/

O DIA EM QUE SAM - DA IMPORTÂNCIA DE SER RUEIRO

Cena da peça "O Dia em que Sam Morreu"

G1 - Globo Teatro
03/06/2014

Artigo: ‘O Dia em que Sam Morreu’ ou da importância de ser ‘rueiro’
O autor Maurício Arruda Mendonça destaca a força das ruas na dramaturgia


Rua do Lavradio, além da esquina da Rua do Senado. Meio da tarde. Brisa forte aliviando o calor. Uma mulher pequena e arretada, cútis cor de cobre, cinquenta e poucos anos, no celular, dizendo, em voz alta: “ – Deixa eu falar, f.d.p.! Eu sou uma mulher vivida! Me escuta! Amor é liberdade!” Eu meditava sobre as palavras daquela mulher, palavras sem refinamento, mas que encerravam verdades em sua poesia rude. Pensava na beleza de cenas assim tomando uma gelada num boteco da André Cavalcanti – aliás, rua machadiana, antiga Silva Manuel. De fato, praticando a arte de andar a pé podemos ter experiências extraordinárias, e também ordinárias. Com um copo a mais, diria, até mesmo, sobrenaturais, como ocorreu naquela vez em que eu saía da lúgubre Igreja do Santíssimo Sacramento, na Avenida Passos. E eis que uma senhora de seus setenta e tantos anos, portuguesa, me intercepta no último degrau. Ela perguntava onde ficava a Rua Visconde do Rio Branco. Eu disse que estava indo naquela direção, que ela me acompanhasse. Próximos à Rua Luís de Camões, a senhora disse que estava recordando a região porque frequentava os sebos de livros no tempo em que suas filhas estudavam: “Comprava livros mais baratos. Precisava economizar muito na época.” Quando cruzamos a praça, perto da estátua da Justiça, perguntou-me quem era o homem montado no “cavalão”. Eu disse a ela que era Dom Pedro I, e acrescentei: “Esse é monumento equestre mais antigo do Brasil.” Ao que ela retrucou, com seu sotaque lusitano: “Não podia saber. Não é do meu tempo.” Eu ri. Nós rimos. Rápido estávamos na Visconde do Rio Branco. Ela me disse um número qualquer. Eu apontei a direção. Ela me agradeceu. Por fim, disse: “Que o anjo te acompanhe.”. Deixei-a prestes a atravessar a rua. Andei alguns passos e olhei para trás. Ela não estava mais lá. O tempo não era suficiente para ela ter atravessado. Olhei na outra calçada: nada. A senhora havia desaparecido. Eram três horas da tarde de sol abrasador.
Sentados na calçada do Jato Bar, eu e o parceiro e mestre Paulo de Moraes. Paulo refletia sobre a questão do poder, o que ele significava hoje em dia. Falava a respeito de Macbeth, da visão de Shakespeare sobre o poder. Foi quando as manifestações de junho do ano passado aconteceram. Num piscar de olhos estávamos vivenciando os fatos e as notícias, discutindo ideias com o ator Jopa Moraes, tantas pensamentos suscitados pelos impulsos do nova peça a ser escrita, somados aos acontecimentos das ruas. As reflexões para o espetáculo O Dia em que Sam Morreu começaram a fervilhar. Quem são esses que estão nos lugares do poder? Poderiam ser um médico, que decide sobre vidas; uma juíza que decide sobre a liberdade; um artista que nos enebria com sua comicidade? Qual o alcance e resultado desses poderes submetidos aos dilemas extremos, ao limite entre a vida e a morte, à ação mais inescrupulosa? Queríamos falar de tudo isso com uma poesia crua, sem lirismo, mais adequada ao desmascaramento das realidades de bom-tom convenientemente construídas. O personagem diz aquilo que é. Defende pontos de vista. Usa toda a força de que dispõe. Mas sem justificar suas ações freudianamente ou representar realisticamente os “desvãos da alma humana.” Buscávamos um texto que propusesse uma discussão franca e honesta com o público sobre o que acontece hoje. De que forma poderíamos expressar um assunto tão complexo como o poder na contemporaneidade? Isso poderia ser chamado de peça política? Sim, mas o teatro é uma arte essencialmente política. Mas acertado seria pensar em O Dia em que Sam Morreu como uma peça de ideias. Paulo achava que uma sucessão de reinícios poderia ser a síntese entre o conteúdo e a forma do nosso drama. Era o que a Armazém tinha urgência de compartilhar. Mas isso tudo foi depois.
Antes eu me encontrava no boteco da André Cavalcanti – rua cujo asfalto mal consegue esconder os trilhos do bonde do passado – eu seguia recordando o escritor João Antônio, cogitando sobre a importância de ser rueiro, bater perna pela cidade, ouvir, ver, conhecer as pessoas nos relances de seus dramas. E chegava a uma conclusão: qualquer acontecimento nas ruas do Rio de Janeiro adquire imediatamente uma importância histórica. Efeito das ideias, dos sonhos, da indignação, da fome de justiça, certamente. Mas efeito também das pedras dos calçamentos, dos largos, das praças, dos monumentos, dos lugares atávicos da população, das disposições únicas no corpo da cidade. Com dois copos a mais, eu já até cunhava uma frase de efeito: “Não se grita ou se revolta sem paisagem, sem arquitetura!”.
Mesmo assim, só agora é que fui perceber que em O Dia em que Sam Morreu está presente na personagem da juíza Samantha, a indignação daquela mulher falando de liberdade e amor que cruzei na Rua do Lavradio. Só agora percebo que em Sam a personagem da garota de programa Sofia poderia ser o anjo da alegria de que me falara aquela senhora portuguesa que se evaporou na calçada da Praça Tiradentes. Onde estarão essas pessoas? Gostaria que elas passasem pela Lapa pra ver nosso espetáculo.


Maurício Arruda Mendonça
é dramaturgo da Armazém Companhia de Teatro

Fonte: http://redeglobo.globo.com/globoteatro/artigos/noticia/2014/06/artigo-o-dia-em-que-sam-morreu-ou-da-importancia-de-ser-rueiro.html