quarta-feira, 13 de abril de 2011

PEÇA "DONA MENINA" NESTA SEXTA E SÁBADO

A atriz Viqui Vega em "Dona Menina". Foto: Jacqueline Sasano


DONA MENINA, O RETRATO SINGELO DE UMA BENZEDEIRA


Fábio Luporini - Jornal de Londrina - 08/04/2011


Com trilha sonora de Marco Scolari, peça estreia hoje inspirada em texto de Yara Camillo 


As memórias de uma infância vivida no meio do mato vieram à tona quando Marco Antonio Scolari ficou com a responsabilidade de compor a trilha sonora do espetáculo Dona Menina, [...] A peça pretende ser um recorte do universo das benzedeiras, aquelas boas senhoras com um mix de reza e curanderias.

O texto é uma adaptação do jornalista Marcos Losnak a partir do conto homônimo de Yara Camillo. A vida da benzedeira, encarnada pela atriz Viqui Vega, passeia pelo campo material e espiritual, dirigida por Maurício Arruda Mendonça. O cenário é assinado por Alex Lima.
“A inspiração [para trilha sonora] vem muito fácil. Eu conhecia benzedeiras. Minha infância foi no mato. Me lembrei dessa época, de quando eu comecei a tocar”, conta Marco Antonio Scolari. Ao longo do espetáculo, o músico até faz uma espécie de participação, contracenando com a personagem. Scolari vai tocar violão e acordeom. “Tudo tem que ter uma dinâmica. Vai ter algo mais pesado e algo mais leve. De forma geral é mais leve, que é o caráter da Dona Menina, com mão forte e em quem a delicadeza fala mais alto”, define.
O texto conta a história de uma benzedeira que atua na comunidade. De repente, se vê diante das fragilidades expostas. “Ela é uma rezadeira envolvida com a comunidade e tem sua prática de curandeirismo. As pessoas podem conviver com uma mulher da cultura brasileira”, ressalta a atriz Viqui Vega. Para ela, o que caracteriza a mulher como ícone do imaginário popular no Brasil é o jeito de ser: o desprendimento que, em muitos casos, faz se esquecer dela mesma. “É o amor dela.”
A adaptação feita a partir do conto de Yara Camilo teve, inclusive, participação da própria autora, que veio a Londrina pelo menos uma vez ajudar na discussão. A personagem, retratada no texto como uma “caipora da Bahia”, passa a ser caracterizada pela vida rural na adaptação de Losnak. “A original era do litoral. Mas a personagem se transformou no rural e não perdeu suas características, apenas foi moldada pelo ambiente”, explica a atriz.
O texto de Yara chegou às mãos de Viqui a partir de Yá Mukumbi, quando a atriz dirigia um outro espetáculo sobre os 40 anos de sacerdócio da yalorixá. A composição da personagem foi feita a partir de entrevistas com outras benzedeiras.

Serviço – "Dona Menina" – dias 15,16,22,23,29,30 de abril e 6,7 de maio, sempre às sextas e sábados, às 20 horas, na Vila Cultural Usina Cultural - Avenida Duque de Caxias, 4159. Ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia entrada). O patrocínio é do Programa Municipal de Incentivo à Cultura - Promic/Londrina.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

TEMPORADA DA PEÇA "DONA MENINA"


Na próxima sexta-feira estréia o monólogo "Dona Menina" de Yara Camillo com dramaturgia de Marcos Losnak. Em cena a atriz e amiga Viqui Vega. O espetáculo conta com música original e execuçao do Maestro Marco Antônio Scolari. A cenografia é de Alex Lima e a concepção de luz é de Altair Souza (Borracha). A direçao é de Maurício Arruda Mendonça. A temporada vai de 8 de abril a 7 de maio, sempre às sextas e sábados, às 20 horas, na Usina Cultural, na Rua Duque de Caxias esquina com São Salvador. Compareçam! 

VALMIR SANTOS ESCREVE SOBRE "ANTES"

O Ator Thales Coutinho no papel de Téo. Foto Mauro Kury

EXPURGAÇÃO SEGUNDO A ARMAZÉM

Valmir Santos

O espectador assíduo de um núcleo teatral duradouro – e há muitos deles na faixa dos 20 aos 50 anos no Brasil – costuma depara com movimentos de retroação por parte dos criadores. Parece inevitável esse rasto atrás em busca de novos impulsos. Prestes a completar um quarto de século, a Armazém Companhia de Teatro olha o retrovisor do espelho e o atravessa. Incorpora relâmpagos de montagens anteriores. Quedas, ritos de iniciação, místicas pessoais que, afinal, constituem as veias de um coletivo. A matéria e o espírito da arte são agarrados à unha na metalinguagem do edifício ou barracão abandonado, cohabitado por seres fantasmais e de carne e osso. O grupo expõe as vísceras para inventariar o idílio de juventude legado da Londrina natal. Sua terra vermelha, seu café de “ouro verde” preso numa fotografia amarelecida. A utopia encontrou lugar na paisagem estonteante do Rio de Janeiro e ali cavou, de fato, uma ilha de experimentos num dos galpões da Fundição Progresso. Nada mal para quem comeu a poeira metafísica de Samuel Beckett com Esperando Godot, no final dos anos 1990, como sintoma de quem, recém-chegado, estava à deriva sob a árvore seca ora ensolarada ora enluarada.

Antes da coisa toda começar, o espetáculo de turno, espelha a visão angustiada do presente pelas dores do crescer e do envelhecer. Seus criadores fazem da autoanálise pública uma escolha arriscada. O recurso poderia vedá-los na redoma da expiação do passado. Ao contrário, lhes restitui justo os estilhaços com a vitalidade recalcitrante das atuações seguras e das belas composições sonoras e visuais. Um signo estruturante é a deformação. Ela impregna a dramaturgia espiralada de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, o diretor - parceria de pelo menos 13 anos de paisagens e seres verbais. Grandes espelhos de superfícies borradas refletem a silhuetas de atores e de parte do público.

Nas canções, executadas ao vivo, rascantes de voz e de guitarra ampliam essa atmosfera melódica e melancólica. O rock, que costuma ser ostensivo nas mãos e nas trilhas de Moraes, aqui entremeia silêncios profundos com citações a Rolling Stones, Beatles, Supertramp e Nando Reis, entre outros. Há o acompanhamento de um músico integrado à cena, Ricardo Viana, além dos atores que se revezam em acordeão, teclado, contrabaixo, baterias e afins.

São três histórias de expurgação sobrepostas, fundidas e abduzidas, formaprocedimento parecido com o da peça anterior, Inveja dos anjos. Só que, aqui, toma-se como substrato as memórias reais de quem está no grupo ou em seu entorno. Os dilemas de juventude de Zoé, uma moça apaixonante pela convicção dos seus sentimentos, o que lhe custa um bocado, refletem a identificação de Patrícia Selonk com o papel, manifestam seus olhos marejados durante boa parte da sessão. Longe da hagiografia, os relatos processados como escrita teatral cortam a própria carne para ganhar tratamento ficcional. Não se faz terapia, se transpira.

Em Léa, a cantora de talento incomum que vai ao fundo do posso na sua ego trip, entrevemos a atriz Simone Mazzer com seu vozeirão blusie e jazzy, ela que cumpriu a temporada de estreia carioca e não pôde seguir para São Paulo por motivos profissionais. Em seu lugar, porém, Rosana Stavis também inscreve forte presença física – e voz é músculo -, arrebatando nos momentos mais tempestivos dessa personagem de mal com o mundo.

Téo, o ator veterano cansado dos amortecimentos do ofício, faz o balanço da vida para salvar-se da mediocridade que enxerga em todos, a começar por ele. Thales Coutinho é outro artista talhado para rir e chorar de si e dos seus pares divisados na ribalta e no esvaziamento da realidade. Dos três, eis o personagem que mais transita pela metalinguagem teatral no plano da memória, sendo um pouco do que se é em outros feito rei e bufão com Marcelo Guerra. O soberano e o fanfarrão, o homem e a mulher irmãos, o ator e o personagem, o verso e reverso: os sentidos duplos estão em jogo. (As atrizes Simone Vianna e Camila Nhary completam a equipe em cena. Verônica Rocha também foi substituída por Nhary nas apresentações em São Paulo).

O flashback pulsa constantemente no coração das narrativas autônomas. A ciceroneá-las, a voz e a presença de um hierofante, o Espectro, espécie de “materialização espiritual” da arte do teatro em atuação de Ricardo Martins. Vem dessa figura o distanciamento para situar o espectador quanto aos fluxos de consciência. Téspis e Hamlet são evocados direta ou indiretamente, como na escultura craniana explorada em excesso, diga-se, ou na aparição de escape, na medida, da fã hippie que resgata o botão do figurino que Espectro perdeu na vigésima apresentação da tragédia de Shakespeare no municipal, muito tempo atrás. Em seu trabalho mais inspirado na companhia, Martins proporciona ainda um contraponto na pele de Rufus, o travesti amigo de Téo e responsável pelos pontos de respiro diante das trajetórias que topam com a morte em seus caminhos.

A clareza a respeito da finitude pode estabelecer, por reflexo, uma condição de objetividade diante do cinismo, da covardia da esterelização dos sonhos de geração. Quando se é adolescente, em regra, não dá tempo para pensar nisso. Nunca é forçoso lembrar que o nome Armazém sucede, meses depois da origem, o incomensurável Bombom pra quê se Pirulito Foi Feito para Chupar. Mais de duas décadas depois, a percepção desses artistas é de que os adultos adolescem pelas tabelas, desvalorizam a palavra, temem o médio e o longo prazos, urgem da boca para fora, reféns das ideias fixas. A xícara de chá de Alice virou a xícara de absinto. Na montagem, autocrítica e cólera andam juntas em termos de conteúdo.

Na forma, a conceituação espacial é possante. As paredes móveis desse edifício “bem-assombrado” são prenhes de fendas que giram e levam a outros lugares num estalar de dedos, sejam eles descritivos ou abstratos. E sempre que possível a cenografia de Carla Berri e Moraes, outra feliz dobradinha, deixa à vista os mezaninos laterais onde estão posicionados os instrumentos e os atores-músicos e músicos-atores. Abaixo deles, as araras com os figurinos conotam de vez o teatro por dentro. O desenho de luz de Marcelo Quinderé valoriza tons lisérgicos ou hiper-realistas. Quando casados aos vídeos dos irmãos Vilarouca, banhados de luz ou de sombra umedecida, como diz uma personagem, os corpos pincelam quadros cênicos com aquela assinatura Armazém que mora nos detalhes e vibra o que se vê com o que se escuta. Seu espetáculo de passagem é dotado de senso artesanal e prognostica o que expira e o que reaviva nesse coletivo. Como no ciclo da larva e da borboleta no casulo: dói e dá asas.

(2 de abril de 2011)

Extraído do site Teatrojornal